quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

No princípio está a comunhão dos Três e não a solidão do Uno - Leonardo Boff


Escrevíamos anteriormente que Deus é mistério em si mesmo e para si mesmo. Para os cristãos trata-se de um mistério de comunhão e não de solidão. É a Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A ortodoxia afirma: há três Pessoas e um só Deus. É possível isso? Não seria um absurdo 3=1? Aqui tocamos naquilo que os cristãos subentendem quando dizem “Deus”. É diferente do absoluto monoteísmo judeu e muçulmano. Sem abandonarmos este monoteísmo, faz-se mister um esclarecimento como  combinar três com um para não carmos no “creio porque é absurdo”(credo quia absurdum).
O três seguramente é um número. Mas não como resultado de 1+1+1=3. Se pensarmos assim, matematicamente, então Deus não é três mas  um  e único. Aqui o número três funciona como símbolo para sinalizar que sob o nome Deus há comunhão e não solidão, distinções que não se excluem mas que se incluem, que não se opõem mas se compõem. O número três seria como a auréola que colocamos simbolicamente ao redor da cabeça das pessoas santas. Não é que elas andem por ai com essa auréola. Para nós é o símbolo a sinalizar que estamos diante de figuras santas. Assim ocorre com o número três.
Com o três dizemos que em Deus há distinções internas. Se não houvesse distinções, reinaria a solidão do um. A palavra Trindade (número três) está no lugar de amor, comunhão e inter-retro-relações. Trindade significa exatamente isso: distinções em Deus que permitem a troca e a mútua entrega entre as divinas Pessoas.
A rigor, como já viu o gênio de Santo Agostinho, não dever-se-ia falar de três Pessoas. Cada Pessoa divina é única. E os únicos não se somam porque o único não é número. Se disser um em termos de número, então não há como parar: seguem o dois, o três, o quatro e assim indefinidamente. Immanuel Kant erroneamente o entendeu assim e por isso rejeitava a idéia de Trindade. Portanto o número três possui valor simbólico e não matemático. O que ele simboliza?
C. G. Jung nos socorre. Ele escreveu longo ensaio sobre o sentido arquetípico-simbólico da Trindade cristã. O três expressa a relação tão íntima e infinita entre as diversas Pessoas que se uni-ficam, quer dizer, ficam um, um só Deus.
Mas se são três Unicos, não resultaria no triteísmo, vale dizer, três Deuses paralelos em vez de um: o monoteísmo? Isso seria assim, se funcionasse a lógica matemática dos números. Se somo uma manga+uma manga+uma manga, resultam em três mangas. Mas com a Trindade não é assim, pois nela nada se soma ou se subtrai. Estamos diante de outra lógica, a das relações inter-pessoais.
Segundo esta lógica, as relações não se somam. Elas se entrelaçam e se incluem, constituindo uma unidade. Assim, pai, mãe e filhos constituem um único jogo de relações, formando  uma única família. A família resulta das relações inclusivas entre seus membros. Não há pai e mãe sem filho, não há filho sem pai e mãe. Os três se uni-ficam, ficam um, uma única família. Três distintos mas uma só família, a trindade humana.
Quando falamos de Deus-Trindade entra em ação  esta lógica das relações interpessoais e não dos números. Em outras palavras: a natureza íntima de Deus não é solidão mas comunhão.
Se houvesse um só e único Deus reinaria, de fato, a absoluta solidão. Se houvesse dois Únicos, num frente a frente ao outro, vigoraria a distinção e, ao mesmo tempo, a separação e a exclusão (um não é o outro) e uma mútua contemplação. Não seria egoísmo a dois? Com o três, o um e o dois se voltam para o três, superam a separação e se encontram no três. Irrompe a comunhão circular e a inclusão de uns nos outros, pelos outros e com os outros, numa palavra: a Trindade.
O que existe no princípio é a simultaneidade dos três Unicos. Ninguém é antes ou depois. Emergem juntos, sempre voltados uns para com os outros, se comunicando reciprocamente e sem fim. Por isso dizíamos: no princípio está a comunhão. Como consequência desta comunhão infinita e deste infinito entrelaçamentos dos três Unicos resulta a união e a unidade em Deus. Então: três Pessoas e um só Deus-comunhão. Temos a ver com um monoteismo, mas trinitário, singularidade do Cristianismo.
 Não nos dizem exatamente algo semelhante os modernos cosmólogos? O universo não resulta da soma de todos os seus seres. É constituído pelo conjunto das relações que todos entretém com todos. Tudo é relação e nada existe fora da relação nos dizem N. Bohr e W. Heisenberg, os dois fundadores da física quântica.
 Dessa consideração resulta que o universo é a grande metáfora da Trindade, criado à sua imagem e semelhança: tudo é relação de tudo com tudo: um uni-verso. E nós imersos dentro dele.

Leia o livro "A Trindade é a melhor comunidade", Vozes, 2009.